sexta-feira, 4 de março de 2011

Mensagem quaresmal do arcebispo de Évora


Se quisermos receber, temos que dar!

A Quaresma foi instituída com a finalidade de preparar os cristãos para a celebração do mistério pascal, centro e fonte de toda a vida litúrgica. Nos primeiros séculos da sua vigência esteve intimamente associada à preparação dos catecúmenos para o Baptismo e constituía mesmo a última etapa dessa preparação, que culminava com a celebração do Baptismo no decorrer da Vigília Pascal.

Quando se generalizou o Baptismo das crianças, esbateu-se o carácter baptismal da Quaresma, que passou a ser entendida como tempo de consciencialização e actualização da graça baptismal, através da conversão espiritual e da prática do sacramento da Penitência. Mas o II Concílio do Vaticano restaurou o catecumenado dos adultos e propôs que se utilizassem mais abundantemente os elementos baptismais próprios da liturgia do Baptismo (SC, 109), com a dupla finalidade de proporcionar aos catecúmenos, cada vez mais numerosos, a preparação próxima para o Baptismo e de ajudar os que foram baptizados na infância a consciencializar o dom maravilhoso da graça baptismal, através das leituras proclamadas nas celebrações da Eucaristia e dos ritos litúrgicos próprios do itinerário catecumenal.

Com efeito, as leituras que este ano usaremos nos domingos da Quaresma mostram como a graça baptismal nos purifica do pecado de origem e nos dá força para lutarmos contra os dominadores deste mundo tenebroso (Hb 6,12); nos permite subir a um alto monte (Mt 17,1) para acolher de novo, em Cristo, o dom da graça de Deus; suscita no coração o desejo da água a jorrar para a vida eterna (Jo 4,14); abre o nosso olhar interior e ilumina as trevas da nossa vida, para que possamos viver como filhos da luz; e nos prepara para superar os limites da morte pela ressurreição com Cristo que é ressurreição e vida (Jo 11,25).

O papa Bento XVI, que na sua mensagem quaresmal evidencia a relação íntima entre o Baptismo e a Quaresma, afirma que o aprofundamento da graça baptismal nos estimula a libertar o nosso coração das coisas materiais e do vínculo egoísta com a terra, que nos empobrece e nos impede de estarmos disponíveis e abertos a Deus e ao próximo. Na verdade, para os baptizados a Quaresma há-de ser tempo de conversão, de purificação e de renovação interior, usando os meios que a Igreja, continuadora da obra de Cristo, coloca continuamente à nossa disposição.

A partilha dos bens é um dos meios mais nobres e, porventura, mais eficaz para nos levar à conversão do coração. Este ano, tendo em conta a difícil situação económica em que se encontram muitas famílias no nosso país, será também o mais necessário e urgente para ajudarmos a resolver os graves problemas por que estão a passar tantos irmãos nossos. Por isso, peço a todas as comunidades paroquiais e a todos os estimados diocesanos que se disponibilizem para ampliar os gestos de partilha de bens, dentro das suas possibilidades. Como nos diz a Sagrada Escritura no livro de Tobite, a partilha de bens é uma obrigação de todos. Dos que têm muito e dos que têm pouco. E quem dá deve fazê-lo tão generosamente que nunca fique com os olhos presos ao que tiver dado (Tob 4,16). Além disso, o cristão nunca pode esquecer que a esmola ultrapassa o nível dos gestos filantrópicos para se tornar um gesto religioso, que sempre andou ligado às celebrações litúrgicas e às festas. E por ela a alma se eleva para Deus, que proclama bem-aventurado aquele que pensa no pobre e no fraco (Sl 41,1).

O próprio Jesus Cristo, em muitos dos Seus ensinamentos, recomenda a esmola, feita desinteressadamente (Mt 6,1), sem medida (Lc 6,30) e sem esperar nada em troca (Lc 14,14). Nos escritos do Novo Testamento, quando se fala de esmola e de partilha de bens não estão em causa apenas os bens materiais. Pois também os dons espirituais se podem e devem partilhar (Act 3,6). Por outro lado, o trabalho a favor dos necessitados é igualmente uma excelente forma de ajuda, como recomenda S. Paulo aos cristãos de Éfeso (Ef 4,28) e nos é solicitado a todos neste ano europeu dedicado ao voluntariado.

Espero que a vivência desta Quaresma ajude todos os diocesanos a viver intensamente a maravilhosa graça do Baptismo que fez de todos nós irmãos uns dos outros, chamados à partilha dos bens, dentro das possibilidades de cada um, e tendo sempre presentes as palavras de Jesus: a medida que usardes para os outros será também usada para vós (Lc 6,38). Se quisermos receber, temos que dar!

O produto da renúncia quaresmal deste ano destina-se a reforçar o fundo diocesano de apoio aos mais carenciados, que é gerido pela Caritas Diocesana, através dos seus serviços e, nomeadamente, dos vinte e um núcleos de apoio social, espalhados por toda a Arquidiocese. Seguindo o modelo usado no ano passado, a seguir à Páscoa, os Vigários da Vara, depois de terem recolhido o produto da renúncia quaresmal de todas as paróquias da sua circunscrição, farão o favor de o enviar à Cúria Arquidiocesana que, por sua vez, o encaminhará para o seu destino.

Évora, 3 de Março de 2011

D. José Alves, Arcebispo de Évora

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